Comunicado

Segunda feira, 16 de Outubro, a Travêssa Okupada, espaço livre nas ruas do Porto, foi despejada.

Durante dois dias, uma propriedade municipal foi subtraída ao abandono para se tornar um laboratório de socialidade e de conflito.

Um simples edifício vazio tinha-se tornado um local de encontro para quem ainda insiste em querer viver a cidade e as suas ruas, com a vontade de experimentar com alegria um caminho de libertação pessoal e colectiva, livre da lógica partidária e das dinâmicas especulação-consumo-exploração.

Às 7 da manhã, as patrulhas da Polícia de “Segurança” Pública, com o auxílio da Polícia Municipal do Porto, apresentaram-se na escola básica José Gomes Ferreira com o objectivo, depois conseguido, de despejar aquele edifício abandonado e vazio há anos, que tinha sido ocupado dois dias antes.

Apesar da intervenção não ter provocado danos físicos, como relata orgulhoso o distorcido comunicado da câmara (e repetido pelos jornais do regime), ela também não foi suave.

Um companheiro e uma companheira foram algemadas e levadas à força e uma cadela que lá se encontrava foi levada para o canil, apesar de estar presente a sua responsável.

Durante a incursão policial no edifício, a travessa dos campos foi militarizada e proibida de transitar. Um grupo de pessoas solidárias concentrou-se nas ruas adjacentes expressando a sua cumplicidade com a ocupação e a sua oposição ao despejo.

Posteriormente, as ocupantes foram levadas para a esquadra do Heroísmo, da qual foram libertadas poucas horas depois, todas constituídas arguidas.

Agora a escola José Gomes Ferreira regressou ao seu anterior estado de inércia, feito de silêncio e vazio.

Durante os poucos dias de ocupação, e desde o primeiro momento, muitos habitantes do bairro expressaram simpatia e apreço, tanto por palavras como com gestos diários, como oferecer azeite caseiro, pão e utensílios de cozinha.

Nós retribuímos abrindo a porta para todas as pessoas que nos queriam conhecer ou queriam conhecer o espaço.

Já se falava dos projectos de cada uma: um ginásio auto-gerido, um laboratório de serigrafia popular, uma sala de ensaios, uma biblioteca, uma “loja-livre”, uma sala de estudo, etcetera… e tudo grátis e disponível para toda a gente.

Foram horas rápidas e intensas, cheias de emoções.
Sentíamos ter libertado um espaço, através da prática da reapropriação direta.

Agora que fomos despejadas, temos que ser fortes e pensar que a Travêssa não era só uma escola, um espaço físico. É muito mais: são ideias, é luta.

Tudo isto não nos desencoraja, pelo contrário: leva-nos a seguir o nosso caminho sem hesitação.

Não vamos chorar pela agressão sofrida.
Não vamos baixar a cabeça, nem após o despejo, nem após as acusações, que certamente virão.
Ainda mais forte se faz sentir agora a necessidade de libertar mais espaços.

Estamos convencidas de que para ganhar pedaços de autonomia e liberdade, devemos entrar em conflito com aqueles que nos exploram e oprimem, com a perspectiva de mudar radicalmente esta sociedade. Uma outra maneira de viver não só é possível, mas necessária.

Não queremos desistir e, na verdade, estamos dispostas a começar de novo.

Novas experiências de auto-gestão estão ao virar da esquina. Agora a tristeza deve dar espaço à determinação na luta.

Porque as ideias não se despejam.
E não será um despejo a apagar o nosso desejo de liberdade.

 

                                                                                                As ocupantes da Travêssa

 

Nota:

Ao escrever este texto enfrentamos a dificuldade de mencionar um grupo de pessoas de géneros diferentes de forma a não discriminar ninguém.

Face à falha da língua portuguesa, decidimos, apesar de o nosso grupo ser constituído por mulheres e homens, escrever este texto no género feminino, referindo-nos a pessoas. Uma decisão que serve para destacar a injustiça de uma língua (e de um mundo) que falam sempre no masculino.

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A Travessa despejada

Partilhamos um relato publicado no indymedia para anunciar o despejo do espaço.

Um abraço a todos os que nos têm demonstrado a sua solidariedade. Garantimos que depois destes dias intensos em breve iremos dar notícias.

Na manhã do dia 16 de outubro, o espaço ocupado A Travêssa dos Campos foi alvo de uma acção repressiva por parte da autoridade policial.

Chegaram por volta das 7h30 com grande aparato de meios e agentes e preparados para uma entrada rápida e violenta no edifício. Após o arrombamento das portas foi dada a ordem – todos para o chão, caralho! Juntaram todas as pessoas numa sala, duas delas algemadas, e revistaram cada uma delas e os seus pertences. Para além disso, fotografaram e filmaram a operação e toda a gente que resistia no edifício.

A informação chegou cá fora e começou a formar-se um ajuntamento de malta solidária que foi impedida de se aproximar da acção devido ao bloqueio da rua.

Cerca das 9h15 a polícia começa a transportar o pessoal para a esquadra do Heroísmo, em pequenos grupos e diferentes carrinhas. Ao todo foram 21 pessoas, mais uma cadela levada para o canil. Na esquadra, toda a gente foi identificada e novamente revistada. A todos os envolvidos foi aplicado um termo de identidade e residência e passada uma constituição de arguido sem referência a qualquer crime.

Eram 11h00 quando os primeiros detidos começam a sair da esquadra, tendo sido recebidos com fraternidade por mais de duas dezenas de pessoas que esperavam em frente à esquadra.

Pelas 12h45 toda a gente tinha sido libertada mas houve que esperar mais uns momentos até que alguns itens pessoais fossem devolvidos.

Em comunicado de imprensa a CMP justifica esta intervenção devido a “ocupação ilícita de espaço vedado ao público”, mesmo que essa acusação não esteja expressa em nenhum dos autos de constituição de arguido. Isto só comprova que a CMP age sem interesse em contactar directamente com os envolvidos, dando ordens para que a polícia resolva as questões, de forma ilegal, justificando-se apenas à imprensa.

Ao mesmo tempo, é estranho que um espaço abandonado, de portas abertas, com janelas e lavatórios partidos, lixo por todo o lado, alarmes arrancados, pó de extintor espalhado pelo chão, silvas no campo de jogos, e uma mata que assusta a vizinhança, caiba no conceito de “vedado ao público”.

(relato de alguém que presenciou toda a operação)

 

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Ocupar o abandono – 2º dia da Travessa

No domingo, quase meia centena de pessoas apareceram para mostrar o seu apoio à Travêssa. Pela manhã, nada melhor do que ter vizinhos a trazer o pequeno-almoço. Para além disso, também ofereceram mobília, utensílios de cozinha, mantas, azeite e outros alimentos, disponibilizaram-se para ajudar e assumiram a sua solidariedade. Começava-se a perceber que as relações iniciadas no dia anterior fortaleciam-se e que a ideia de abrir a escola estava a ser bem recebida.
Ao longo do dia quem chegava ia-se organizando para colaborar nos arranjos, nas limpezas e melhoramentos do edifício, lavando o chão das salas, recolhendo o lixo do jardim ou arranjando fugas de água.
Para o final da tarde estava marcada uma conversa com o tema “Ocupar porquê?”. Depois de arranjar maneira de instalar toda a gente no pátio, surgiram várias considerações sobre a importância de relação com a comunidade local; os efeitos da turistificação da cidade e as formas de combatê-la; a necessidade de divulgar a ideia de ocupação; a criação de redes entre projectos semelhantes; a pertinência de acções sobre problema de habitação na cidade. Pelo meio também foram aparecendo propostas de actividades como a criação de um grupo de comunicação com os vizinhos, o ensaio de uma orquestra de música de intervenção e uma oficina de segurança informática.
Terminada a conversa, e aproveitando a energia que ainda existia, houve a preparação de um jantar comunitário.

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Actividades primeira semana

Durante esta primeira semana podem vir conhecer a Travessa, ajudar nas limpezas, na cozinha, nos jogos, na partilha de ideias e recolha de materiais.

15/10 Segunda-feira: 18:30 Ensaio de orquestra de músicas de intervenção

16/10 Terça-feira: 18:30 Oficina de segurança informática

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Ocupar o abandono – 1º dia da Travessa

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Bom era ser sempre assim – suspirou enquanto digeria a emoção deste dia. Voltar a receber pessoas e abrir as janelas para arejar as suas salas. Os movimentos repetitivos das vassouras e esfregonas ao afastar a sujidade acumulada nos últimos … Continue reading

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A Travêssa

Decidimos ocupar um espaço abandonado há anos, onde nos possamos auto-gerir, sem hierarquias nem delegações, sem pedir autorização às instituições e sem negociarmos com elas, recusando assim qualquer tipo de autoridade por ser um obstáculo à livre expressão individual e colectiva e às livres relações sociais.

Num momento em que o Porto é devorado por obras faraónicas de limpeza social, é fundamental afirmar que não queremos portuenses elegantes e servis, cuja única função seja fazer parte do menu a ser devorado por imobiliárias, empresas e agências turísticas em ambiente limpo e pitoresco, desprovido de qualquer conflito social. Por isso, resolvemos organizar-nos a partir das contradições que nascem das profundas transformações quotidianas da nossa cidade.

Através da prática da ocupação queremos expressar uma maneira diferente de ver a vida e os relacionamentos humanos, rompendo com a lógica do lucro que as grandes corporações, abutres nacionais e internacionais guiados e aconselhados por hienas locais que os legitimam, conseguiram impor a todos os recantos da existência. Queremos auto-gerir as nossas vidas, os nossos espaços, as nossas necessidades, de forma diferente dos cânones impostos pelo sistema atual.

E queremos retomar os bairros cujas gentes são, a cada dia, brutalmente expulsas e varridas nesta verdadeira fábrica de turismo. Que esta ocupação seja também uma resposta que produza um conflito criativo contra a homologação dominante da cidade-montra, falsa, feita para o entretenimento rápido e temporário.

Queremos ter um espaço onde nos possamos confrontar com debates e projeções sobre os temas que nos são mais queridos, para prosseguirmos com questões como a crítica anti-capitalista, anti-racista, anti-machista e anti-autoritária, organizando lutas fora de partidos, sindicatos, ou outro tipo de organizações institucionais, cuja existência serve mais para branquear o saque legal do que para lutar pelas suas vítimas.

Queremos experimentar colectivamente através dos valores da solidariedade e da partilha, lendo livros numa biblioteca à disposição de toda a gente, praticando desporto ou assistindo a um filme sem o custo de um bilhete, festejando e partilhando ideias e práticas em assembleias horizontais… momentos que neste mundo capitalista não conseguem encontrar espaço. Um laboratório onde qualquer pessoa possa realizar os seus projectos e ideias de maneira livre.

Com essas atividades queremos envolver o bairro e a cidade, através da solidariedade e do apoio mútuo, mas sem qualquer propósito de caridade. Para que este espaço seja, portanto, um local restituído à colectividade, libertado da inutilização e do abandono, um local onde não se faz lucro.

À cidade “European Best Destination”, com um centro embelezado que esconde a miséria em que vive todos os dias as suas gentes, queremos contrapor outra cidade, feita de solidariedade, conflito social e iniciativas culturais, fora das lógicas capitalistas que este sistema nos quer impor.

Cada nota saída de uma coluna num concerto, cada palavra pronunciada numa assembleia, cada bocado de energia gasto na construção de um espaço ocupado tem como objetivo apoiar as lutas de quem imagina uma sociedade livre de prisões, sejam elas materiais ou mentais. Nesse sentido, esta ocupação não podia deixar de aproveitar para enviar uma abraço solidário à C.O.SA. (Casa Ocupada de Setúbal Autogestionada) neste momento em que faz 17 anos de existência e vê apertar-se o cerco do despejo. Como não poderia deixar de desejar felicidades e um futuro fértil à À da Maxada e à Assembleia de Ocupação de Lisboa.

Um espaço ocupado e auto-gestionado não vende sonhos de liberdade — tenta materializá-los e expandi-los.

O QUE RETOMAMOS É APENAS UMA PARTE DO QUE NOS PERTENCE!

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Programa de festas

Estão todos convidados para vir

14 de Outubro, Sábado – Durante todo o dia há festa, música, obras e limpeza do espaço e churrasco faz-tu-mesmo.
Vê a lista de materiais necessários que talvez possas trazer.

15 de Outubro, Domingo – O espaço abre às 15h para continuação de obras e limpeza. Às 17h – Conversa «Ocupar porquê?»

Ocupar porquê?
Porque é mais barato do que alugar? Menos burocrático do que pedir para usar?
Vale a pena? Mesmo sabendo o que se perde a cada despejo?
É um protesto? Uma exigência? Um direito? Ou não é nada disso?

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